A experiência da criança na linguagem
a aquisição das regras de conversação
As coisas que não têm nome são mais pronunciadas por crianças.
Manoel de Barros
As conversações constituem um tipo particular entre as interações verbais, sendo a forma mais comum e representativa das interações verbais.
projeto. Salientamos, ainda, a realização dos trabalhos de Del Ré, pesquisadora que
estuda questões de argumentação no aquisição da linguagem ancorando suas pesquisas em princípios backhtinianos e com os quais acreditamos ser possível uma aproximação.
Os trabalhos mencionados até aqui marcam os estudos da área no Brasil e apontam para interessantes descobertas na área da Aquisição da Linguagem. No entanto, nenhum deles se propõe a olhar para as questões que estamos propondo em nosso
Também é foco de interesse de Barros e Cavalcante (2010) a discussão acerca do “manhês”, entendido pelas autoras como a fala dirigida ao infante com características específicas, como graus de repetitividade e simplificação, clareza, brevidade, modificações na frequência fundamental, uso de falseto, etc. As autoras percorrem diferentes estudos do tema para chegar à conclusão de que é desde os primeiros meses de vida e a partir dos deslocamentos propostos pela mãe e as modulações de sua voz que o infante é inserido na língua e torna-se falante.
O privilégio ao estudo da produção verbal como sendo a única instância de realização do processo aquisicional pode limitar a compreensão do processo como um todo.
Cavalcante, em sua tese de doutorado (1999), focaliza a prosódia materna e o deslocamento do sujeito na fala dirigida ao bebê, mostrando o espaço simbólico constituído na relação mãe-bebê e responsável pelas marcas prosódicas da fala dessa mãe. Cavalcante e Brandão (2012), em trabalho acerca da gesticulação e fluência em aquisição da linguagem, baseia-se em pesquisa de autores como Mcneill (2000) e Marcuschi (2005) para focalizar a relação da fala com recursos expressivos de outra ordem, como gestualidade, movimentos corporais e mímica. Por essa razão, as autoras entendem a fala como multimodal. Com seus estudos, Cavalcante tem mapeado a emergência dos gestos na primeira infância, considerando a produção de fala em situações dialógicas. Essas investigações a levam a entender o gesto como copartícipe na aquisição da linguagem e a defender a ideia de que não se pode privilegiar o estudo da produção verbal como sendo a única instância de realização do processo aquisicional, sob pena de limitar-se a compreensão do processo como um todo.
O estudo da conversação é propósito de trabalho da área conhecida como Análise da Conversação, a qual busca entender como são criadas e sedimentadas as regras sociais do comportamento linguístico. Com base em Coulon (1995), acredita-se que as expressões linguísticas revelam-se incompletas e assumem significações distintas em cada situação particular em que são usadas. Assim, todas as formas simbólicas, como os enunciados, gestos, regras, ações comportam uma margem de incompletude que só desparece quando elas se atualizam. Essa atualização ocorre sempre em situações de interação.
Segundo Kerbrat-Orecchioni (2006), para que haja troca comunicativa, não basta que dois falantes falem alternadamente, é preciso que haja um engajamento na troca. As conversações, assim, constituem um tipo particular entre as interações verbais, sendo a forma mais comum e representativa das interações verbais. O grande destaque que fazemos do estudo de Kerbrat-Orecchioni é a afirmação de que “as regras conversacionais são adquiridas progressivamente desde o nascimento, mas não se constituem, em sua maioria, como objeto de um aprendizado sistemático” (2006, p. 15). Assim, o objetivo da análise conversacional é explicitar essas regras que sustentam o funcionamento das trocas comunicativas entre os interactantes na condução de uma conversação.
Marcuschi (1997) diz que se observarmos atentamente a interação da mãe com o nenê desde os primeiros dias de vida da criança, veremos a mãe dialogando com a criança, atribuindo-lhe turnos de fala e significados para os silêncios ou sons produzidos pela criança. Nessa relação, sabe-se que a criança, desde muito cedo, está internalizando estilos entonacionais e prosódicos e montando uma complexa matriz de valores simbólicos que possibilita a ela se introduzir na atividade conversacional.
Iniciar uma conversação é abrir-se para um evento cujas expectativas são mútuas e definidas ao longo do evento. Ela se organiza por turnos, entendidos como “aquilo que um falante faz ou diz enquanto tem a palavra, incluindo aí a possibilidade do silêncio” (Marcuschi, 1997, p. 18). E como acriança lida com essa experiência social da linguagem?
Iniciar uma conversação é abrir-se para um evento cujas expectativas são mútuas e definidas ao longo do evento.
Diedrich (2001) analisou, a partir da perspectiva da Análise da Conversação, as estratégias de reformulação do texto falado da criança. Em seu estudo, na época, perseguiu o objetivo de descrever as estratégias de construção do texto falado, repetições, paráfrases e correções ao longo dos quatro aos oito anos de idade da criança. Os resultados da autora apontam para o fato de que tanto a repetição, quanto a paráfrase e a correção aparecem desde cedo na fala da informante. As estratégias utilizadas para a solução de problemas tanto reais quanto virtuais ocorrem já aos quatro anos, tornando-se recorrentes a partir dos seis anos, quando aumenta a complexidade dos textos.
do qual observa condições idênticas de interação, o que, pela comparação, possibilitou mostrar os resultados de sua pesquisa como não idiossincráticos e como ilustrativos de tendências confirmadas nas falas de outras crianças. Com relação ao segundo aspecto, a autora chama a atenção para o fato de que seus resultados podem ser relacionados às descobertas ligadas à Aquisição da Linguagem.
Destacam-se, no Brasil, trabalhos na área da Aquisição da Linguagem nos quais o diálogo e a interação dialógica são assumidos como constitutivos da aquisição da linguagem. Com esse olhar, Scarpa publica, em 1976, um estudo acerca das manifestações proto-(aspectuais), marcações vocais de cunho prosódico em eventos de interação. Há interesse específico pela aquisição da entonação, abordada pelo
viés dialógico. Nesse viés, as relações da criança com a fala do adulto assumem papel de importância, uma vez que “erros, migrações e extensões de contornos de altura e outras marcações prosódicas, como a duração, eram vistas como recontextualizações, reinterpretações e reorganizações do sistema entonacional, à luz de outras interações dialógicas” (SCARPA, 2005, p. 20). A partir desses estudos, Scarpa defende a ideia de que é com a materialidade fônica que a criança se depara na aquisição da língua materna e passa a indagar o que há nessa materialidade, instanciada na fala do outro, que afeta a criança e a encaminha para a entrada na língua. Para responder a essa indagação, a autora desenvolve trabalhos que focalizam aspectos melódicos e entonacionais por excelência, a partir da fonologia não linear, prevendo a interface entre os componentes e defendendo a ideia de que o acento nuclear é questão central na aquisição da linguagem, capaz de ser observado no segundo ano de vida da criança. Assim como Cavalcante (1994), Scarpa vê as modulações da voz da mãe, já nos primeiros meses de vida da criança, como porta de entrada do infante na língua.
Com relação aos resultados da análise, a autora chama a atenção para dois aspectos: 1) o de que seu estudo não pode ser tomado como uma caracterização das regularidades do texto falado por crianças, já que investiga a fala de uma única criança; 2) o de que seu estudo norteia-se pela Análise da Conversação e, por isso, não se trata de um trabalho em Aquisição da Linguagem. Com relação ao primeiro aspecto, a autora utiliza um corpus de controle, através do qual